23 de março de 2011

Canja fingida

De modos que fomos de férias para a neve e levámos a nossa bebé, bem embrulhadinha para não apanhar frios e seguindo as devidas recomendações da pediatra: pôr ao peito durante a descolagem e aterragem para evitar choros e dores de ouvidos.
Correu tudo bem, tanto na viagem como durante as férias. Toda a família adorou a pequenota e ela portou-se tão bem quanto se pode esperar de um bebé com menos de 3 meses, ou melhor ainda. Na verdade, com a Inês corre sempre tudo bem, mesmo quando corre mal. Até me sinto mal a dizer isto, mas consta que não sabemos o que é ter um filho. Sinto uma espécie de vergonha, face a tantas mães com olheiras profundas e nervos à flor da pele, em afirmar que a Inês é um sonho de bebé. Não chora. Ou melhor, chora. Mas quando chora, é fácil acalmá-la. Porque só chora com fome ou sono, e tanto uma coisa como outra são rápidas de solucionar. Também há os dias da vacina, em que invariavelmente fica sempre um pouco mais irritada, mas já seria pedir de mais que assim não fosse.
Cólicas não as teve. Acho que não podemos considerar cólicas aqueles dois ou três episódios em que o pai andou com ela no corredor até às 2 da manhã… E quanto a dormir à noite, não é tanto “dorme que nem um bebé mas acorda de 3 em 3 horas”, é mais “dorme que nem um bebé e às vezes até dorme a noite toda”.
Sinto que vou ser castigada por isto. Se/quando decidir ter outro filho, sinto que vou pagar a dobrar por todas as noites que durmo bem e profundamente até às 7 da manhã e por todas as vezes em que adormece sozinha. Talvez não devesse pensar em ter outro filho, podia ser uma maneira de fintar a fatalidade de ter um bebé chorão e flatulento. Mas de certeza que, nesse caso, iria tornar-se numa delinquente aos 13 anos e dar-nos todos aqueles problemas que os pais de adolescentes mais temem.
Desde já, peço desculpa. Pode ser que me reduza a pena de antemão…

24 de fevereiro de 2011

Reacções adversas

É em alturas destas, em dias de vacinas, que me recrimino silenciosamente por ser tão emocional. A emoção deturpa a razão e ata-nos as mãos. Ficamos sem outra reacção que não seja a lágrima que luta para sair e o nariz a pingar como se já tivéssemos chorado muito.
"O pai que a segure, porque a mãe está em choque", dizia a enfermeira. O pai, claro, lá puxou a razão do bolso, onde a guarda sempre em quantidade suficiente, e segurou nas perninas com a força que eu não tinha, porque só me apetecia agarrar na minha menina e sair dali para fora. Seus maus, são uns maus. Mas lá aguentei a estopada de três vacinas. Só se safou o braço esquerdo, porque a quarta era bebível... Excesso de zelo dos pais, talvez. Tanta vacina para quê, se até a enfermeira achou uma maldade. Lembro-me de, durante a gravidez, ter lido alguns livros de parentalidade natural cujos autores questionavam a necessidade de vacinar as crianças. Confesso que passei essa parte com a arrogância de quem acha que não há necessidade de fingirmos que vivemos no terceiro mundo. A minha parentalidade natural fica-se por procurar uma pediatra que não seja apologista de dar medicamentos ao primeiro sintoma e por recorrer primeiro ao alternativo e natural antes de me render ao prático e usual.... Se está ao nosso alcance evitar que os nossos filhos adoeçam e se até podemos comprar as vacinas que não são comparticipadas, por que não havemos de o fazer? Mesmo que nos deixemos vencer pela desolação de os ver sofrer, a recompensa pela dor de ontem, deles e nossa, será muito maior amanhã.
E hoje, depois de uma noite de muito choro*, ela voltou a sorrir e está sol e estamos as duas deitadas na cama a congeminar para onde vamos passear.

* e podia ter sido bem pior...

14 de fevereiro de 2011

Das parecenças

Nisto das parecenças é inevitável, cada um puxa a brasa à sua sardinha. A família paterna diz que ela é a cara chapada do pai, a família materna diz que não, não, ela sai é à mãe. Depois ainda há os amigos e os pais dos amigos e até a mulher-a-dias que, ou porque se sentem no dever de dizer alguma coisa ou porque querem agradar à respectiva parte, afiançam que sai ora a um ora a outro.
O que vale é que toda a gente gosta de mandar o seu bitaite. E a gente nem leva a mal. Até acha graça, na verdade, porque entre tantas opiniões há sempre aquelas que se destacam e nos fazem sorrir. Seja por penderem para o nosso lado, seja pela ironia da frase ("Ela é tão linda! Deve sair ao pai..."), seja por serem tão caricatas. Diria que é como o totoloto, não fosse a balança pesar mais para o lado do pai. Mas eu não me importo nada. Tanto que, como me asseguraram no outro dia, o olhar dela quando faz assim é tal e qual a mãe! Assim como a sobrancelha esquerda! Há lá maior motivo de orgulho?!

8 de fevereiro de 2011

A Bela Adormecida

Eu bem tentei. Tirei-a do ovo, despi-lhe o casaco, dei-lhe beijinhos, apertei-lhe os pés. Não era nada com ela. Às tantas, lá acordou e, depois de muito espreguiçar o sono, fez aquele biquinho de quem “está a aprender”, como diz a avó, ou de quem acabou de acordar e está a avaliar a situação, como digo eu. Eu, excitadíssima por ela ter finalmente acordado, segui os exercícios com diligência e pratiquei yoga com a minha bebé pela primeira vez. Ela, nos míseros cinco minutos em que se manteve acordada, colaborou e, atrevo-me a dizer, até gostou. Mas depois voltou a cair num sono profundo e assim ficou o resto da aula. Como uma Bela Adormecida a quem nem um Príncipe Encantado valeria. Só me restou esperar, desconsolada, que as outras mamãs terminassem a aula. A professora, uma querida, disse-me para voltar daí umas semanas e foi assim que fomos gentilmente escorraçadas da aula de Babyoga.
Chego a casa e oiço um fofinho “eu bem te disse que ela ainda era muito pequenina”. Mas às vezes é difícil distinguir as actividades que são para os bebés daquelas que são para as mães. E nesta altura do campeonato qualquer desculpa que me obrigue a sair de casa é uma excelente desculpa.
Pena a ventania.
Lembrem-me para não voltar a ter bebés no Inverno.

1 de fevereiro de 2011

Seis semanas

Agora as roupas vão deixando de lhe servir aos poucos. Hoje umas calças. Ontem foi uma camisola interior. Um body. O gorro que já não passa na cabeça. A minha menina está a crescer e o tempo a passar.
Cada vez me afasto mais do momento do parto, que tanto custou, mas que não quero esquecer. Dizem-me que, eventualmente, todas se esquecem dos momentos difíceis do parto. Mas não sei como é possível apagar da memória as 23 horas (de muito sofrimento) que precederam o momento em que a vi, com os olhinhos inchados e o nariz que logo me fez lembrar uma foto do pai que vira em algum álbum de infância. É o teu nariz. Com a mania que as pessoas têm de dizer que as nossas feições nunca são nossas, mas de outra pessoa qualquer.
Ela nasceu. Saudável, perfeitinha, bonitinha e, como se viria a comprovar mais tarde, calminha. Durante as aulas de ginástica pós-parto, quando a deixo com as amas que o centro disponibiliza para cuidarem dos rebentos, devo ser a única mãe que ainda nunca teve de interromper a aula para confortar o bebé chorão. Dá-me um certo orgulho e, confesso, alívio. Durante o primeiro mês foi difícil habituar-me à ideia de que agora já não sou só eu. Agora é ela. E depois eu. Isto se não vier outra coisa qualquer antes. Como a Família. Primeiro ela. Depois a família. Depois, então, eu. Admito que foram algumas as vezes em que me deixei vencer pela frustração. Mas à medida que ela cresce, que eu vou aprendendo os ritmos dela, que os vou acertando com os meus e fazendo uns ajustes, à medida que vou recebendo sorrisos marotos de quem só agora aprende a sorrir e lhe tento roubar mais alguns com piadolas sem jeito ditas com aquela voz que as pessoas fazem quando estão a falar com bebés, à medida que a roupa lhe vai deixando de servir e sinto que estou a criar um ser que vai aumentando de peso com o meu leite e que estou a conseguir fazer mais do que apenas ajudá-la a sobreviver, à medida que ela vai dormindo bem de noite e eu vou ganhando as batalhas do berço, à medida que tudo isto acontece, então todas as frustrações e inquietações se transformam nesta alegria inexplicável, nesta paz de espírito imensa de saber que a tenho junto a mim. E isto é tão bom.